Experiências com projéteis e ondas

Blog - Mecânica QuânticaMecânica QuânticaExperiências com projéteis e ondasGilson Würz. MathMeta de aula: Descrever experiências de interferência por uma fenda dupla com projéteis e ondas.Objetivos: Analisar o comportamento de projéteis ao passar por uma fenda dupla.Avaliar o comportamento de ondas ao passar por uma fenda dupla.Relembrar o conceito de interferência em ondas. "Não leve essa aula muito a sério... apenas relaxe e desfrute dela.Vou contar para vocês como a natureza se comporta. Se vocêadmitir simplesmente que ela tem esse comportamento, você aconsiderará encantadora e cativante. Não fique dizendo parasi próprio: 'Mas como ela pode ser assim?' por que nesse casovocê entrará em um beco sem saída do qual ninguém escapouainda. Ninguém sabe como a natureza pode ser assim. Richard FeynmanPrêmio Nobel de Física 1965A mecânica dos objetos microscópicos Iniciamos nosso estudo de Física pela chamada mecânica newtoniana ou mecânica clássica. A mecânica clássica é a mecânica dos objetos de dimensões palpáveis ou visíveis a olho nu: bolas, projéteis, carros, aviões, planetas, etc. Aprendemos que tais objetos obedecem muito bem às leis de Newton. Em muitas situações, podem ser descritos como partículas ou corpúculos, ou seja, sua estrutura interna pode muitas vezes ser ignorada e eles podem ser descritos como objetos pontuais que se movem no espaço. O comportamento destes objetos consiste na física mais corriqueira do nosso dia-a-dia, quela que aprendemos de forma intuitiva desde que fomos bebês, de modo que pensamos ter uma noção bem clara de como deve se comportar uma partícula em uma determinada situação.Por exemplo, as ondas sonoras ou as ondas na superfície de um lago apresentam um comportamento bem diferente daquele das partículas (apesar de o ar e a água, os meios onde estas se propagam, serem formados por partículas). Surgem, por exemplo, os fenômenos de difração e interferência, que não podem ser descritos, pela mecânica das partículas.A seguir, iremos introduzir uma mecânica completamente nova e diferente da mecânica clássica e da mecânica ondulatória. É a mecânica que descreve os objetos microscópicos, como átomos e elétrons, por exemplo. Veremos que tais objetos se comportam em muitas situações como partículas e, em outras, como ondas. Mas não são nem uma coisa nem outra!Eles obedecem às leis de mecânica quântica. Apesar de lidar com objetos de dimensões atômicas, pouco familiares a nós, a mecânica quântica não é uma teoria abstrata ou sem aplicações no mundo real. Pelo contrário, muitas invenções que fazem parte do nosso dia-a-dia só foram possíveis por causa da mecânica quântica: o computador, o laser, a energia nuclear, as imagens de ressonância magnética, etc. Em 200, a revista Scientific American estimou que 1/3 do produto interno bruto dos EUA estava ligado à mecânica quântica! Apesar de estarmos descrevendo-a como "nova", a mecânica quântica já é uma anciã, tem mais de 100 anos de idade! E ela não surgiu de uma inspiração teórica, pelo contrário, foi uma necessidade imposta (a contragosto de muitos) pelos experimentos realizados naquela época, que mostravam resultados em contradição marcante com a física clássica. A história destes experimentos e do desenvolvimento e aceitação graduais da nova teoria quântica está descritos em vários livros e é extremamente rica e interessante. UMA EXPERIÊNCIA COM PROJÉTEISPara mostrar que objetos microscópicos não se comportam nem como ondas nem como partículas, escolhemos um experimento onde este comportamente se manifesta de forma marcante: a experiência de interferência dupla.O aparato experimental está esquematizado na figura 1.1.a.Há um canhão que dispara projéteis, um de cada vez, em direções aleatórias. Em frente à metralhadora, há uma parede que impede a passagem dos projéteis, exceto por dois pequenos buracos. Mais adiante, há um anteparo, onde os projéteis que conseguem passar pelos buracos se alojam, e sua chegada é verificada por um detector deslocável. Este detector pode ser uma caixa com areia, por exemplo, onde os projéteis se depositam. Depois, podemos contar quantos projéteis chegaram em cada posição da parede em um certo intervalo de tempo. A posição ao longo da parede é descrita por uma coordenada x, medida a partir do centro.Figura 1.1: (a) Esquema do experimento de fenda dupla com projéteis. (b) Situação experimentale distribuições de probabilidades obtidas quando uma das fendas é fechada. (c) Situação experi-mental e distribuição de probabilidade obtida quando as duas fendas estão abertas. Nossa primeira observação parece um pouco óbvia, dada nossa grande intuição com partículas clássicas: cada projétil chega intacto ao detector, como se fossem "pacotes" idênticos, uma de cada vez. É clarro, estamos suponto que são projéteis indestrutíveis... Não se observa a chega de "meio projétil" ou a chagada de dois projéteis simultaneamente em lugares diferentes. Projéteis sempre chegam em pacotes idênticos.Em seguida, usando esse aparato simples, podemos tentar responder à seguinte pergunta: "Qual a probabilidade de um projétil acertas a posição x?" Naturalmente, temos de falar em probabilidade, pois é impossível saber com certeza absoluta a trajetória de cada partícula, já que elas são lançadas em direções aleatórias e podem ricocheterar de forma imprevisível nas bordas dos buracos. Mas a probabilidade pode ser facilmente medida, tomando-se a fração de projéteis que chegam a uma certa posição em relação ao número total que acertam todo o anteparo, no mesmo intervalo de tempo. se fizermos a medida, obteremos a distribuição de probabilidades P12 mostrada na figura 1.1.c, que tem este nome porque os projéteis podem passar tanto pelo buraco 1 como pelo buraco 2. A curva P12 tem um máximo em torno de x=0 e decai para valores muito pequenos se tomamos valores de x muito distantes da origem. Mas por que o valor máximo de P12 fica em torno de x=0? De fato, isto acontece apenas se a distância entre os buracos for suficientemente pequena, mas é com esta situação que queremos lidar. Podemos entender isto se fizermos novamente o experimento, mas, desta vez, fechando um dos buracos, como mostra a figura 1.1.b. Se fechamos o buraco 2, medimos a distribuição de probabilidade P1 mostrada no painel superior. E se fechamos o buraco 1, medimos a distribuição P2 mostrada no painel inferior. Como esperado, a distribuição P1 tem seu valor máximo na posição x na parede que está ao longo da reta tracejada que vai do canhão ao buraco 1. E a distribuição P2 se comporta de forma análoga. A distribuição conjunta P12 é simplesmente a soma das distribuições parciais: P12=P1+P2Ou seja, o efeito obtido quando tempos os dois buracos abertos é a soma dos efeitos de cada buraco individualmente. Isto quer dizer que projéteis não sofrem interferência, como veremos a seguir que ocorre com ondas. Isto resume nosso entendimento sobre projéteis incidindo em uma fenda dupla: primeiro, eles chegam em pactoes idênticos; segundo, não apresentam interferência.ATIVIDADEUma metralhadora despeja balas em uma fenda dupla, como mostrado na figura 1.1. As balas passam pelo buraco 1. Elas, se depositam no anteparo, de acordo com a distribuição de probabilidade que pode ser aproximada por uma gaussiana com largura 𝜎 e máximo em x=d, ou seja, P1=Ae-(x-d)/2𝜎2, onde A é um fator de normalização. Já as balas que passam pelo buraco 2 se depositam em torno de x=-d de forma análoga: P2=Ae-(x+d)/2𝜎2. Se a largura 𝜎 for muito maior que d, a distribuição resultante, P12=P1+P2, terá um pico, como na figura 1.1.c. Porém, se 𝜎 for muito menor que d, a distribuição resultante terá dois picos. Encontre, em função de d, o valor de 𝜎 que separa estes dois regimes.Resposta comentadaGraficamente, é muito claro observar se uma curva tem um pico ou dois picos. A dificuldade deste problema está em expressar matematicamente estas situações. Bem, sabemos que uma função que apresenta um máximo local tem derivada nula neste ponto e derivada segunda negativa. Já se a função tiver um mínimo local ela terá derivada nula e derivada segunda positiva. Faça agora um esboço da distribuição P12 nas duas situações: com um pico e com dois picos. Quais as diferenças essenciais entre os dois gráficos que você fez? Uma delas é óbvia: uma distribuição tem um pico e a outra tem dois. Mas repare também no comportamente de P12 na posição x=0. Note que P12 será máxima neste ponto se tiver um pico (na verdade, o pico ocorre precisamente em x=0) ou será mínima se tiver dois picos. Como dissemos, o que distingue matematicamente estas duas situações é o sinal da derivada segunda. Assim, o valor limítrofe de d que separa estes dois regimes pode ser encontrado impondo a condição de derivada nula, ou seja, nem positiva nem negativa. Portanto, imponha a condição d2P12dx2|x=0=0que você chegará na resposta depois de fazer um pouco de álgebra. UMA EXPERIÊNCIA COM ONDASVamos ver agora o que acontece quando usamos o mesmo aparato experimental para estudar o comportamente de ondas de água (e não mais de projéteis). O esquema da experiência está mostrado na figura 1.2. No lugar do canhão, temos agora um dispositivo gerado de ondas circulares, uma fonte de ondas. Pode ser, por exemplo, um pequeno objeto que oscila para cima e para baixo na superfície da água. Temos ainda a parede com dois buracos, e mais adiante, um anteparo absorvedor de ondas, construído de modo que as ondas não sejam refletidas ao incidirem sobre ele (uma praia em miniatura, por exemplo). No anteparo absorvedor, coloca-se um pequeno detector da intensidade das ondas, do qual podemos variar a posição x. Este detector pode ser uma pequena bóia que oscila para cima e para baixo, ao sabor das ondas que chegam até ela. Lembrando que a intensidade da onda não é exatamente a amplitude da oscilação deste objeto, mas sim proporcional ao quadrado da amplitude! O que observamos quando fazemos o experimento? Em primeiro lugar, observa-se que a onda que chega ao detector pode ter qualquer intensidade. Ou seja, a boia pode se mover com qualquer amplitude, ainda que seja muito pequena. Este resultado é bastante diferente do que observamos com projéteis: partículas "chegam" ou "não chegam" em pacotes iguais, ou seja, com intensidade "discretas" ou "quantizadas". Já as ondas chegam com qualquer intensidade, ou seja, a intensidade varia de forma "contínua". Figura 1.2: Esquema do experimento de fenda dupla com ondas. As intensidades I1 e I2 correspondem às situações onde apenas os buracos 1 ou 2 estão abertos, respectivamente. Já a intensidade I12 corresponde à situação em que os dois buracos estão abertos simultaneamente. Quando medimos a intensidade da onda I12 em função da posição x do leitos, obtemos o gráfico mostrado na figura 1.2. Note que a intensidade oscila fortemente com a posição, passando por valores máximos (picos) e mínimos (vales). Este gráfico é familiar em física ondulatória e ótica: trata-se do conhecido padrão de interferência por uma fenda dupla. Conceitualmente, ele pode ser entendido a partir da ideia de que os buracos atual como geradores de novas ondas circulares, que interferem construtiva e destrutivamente. Se tamparmos um dos buracos, a interferência desaparece. A curva I1 da referida figura corresponde à situação em que apenas o buraco 1 é deixado aberta e, para a curva I2, apenas o buraco 2 é aberto. Note que estas curvas não têm oscilações fortes da curva I12, de modo que, claramente, notamos que I12I1+I2. Se I12I1+I2, como podemos então obter matematicamente uma expressão para a intensidade I12? Lembre-se: quando há interferência, a função que representa a onda resultante é a soma das funções de ondas que a compõem. No caso de ondas na superfície da água, a função de onda apropriada é a altura do nível de água. Se soubermos a altura como função da posição e do tempo, teremos a informação completa sobre a propagação da onda. Assim, podemos representa a altura da onda que chega no detector a partir do buraco 1 pela seguinte função: h1(x)=A1(x)ei𝜔t,onde x é a posição do detector. O fator exponencial complexo ei𝜔t dá conta da dependência temporal da altura, enquanto a amplitude A1 é um número real e positivo, que depende da posição x. Como dissemos, a intensidade desta onda é proporcional a A12. Para nossa argumentação, não é necessário saber exatamente quanto vale o fator de proporcionalidade, de modo que podemos definir a intensidade desta onda simplesmente como I1=A12De forma semelhante, a altura h2 da onda que chega no detector a partir do buraco 2 é dada por: h2(x)=A2(x)ei(𝜔t+𝛿)Note que surge uma diferença de fase (𝛿) entre as duas ondas devido à diferença entre as distância percorridas desde os dois buracos até o ponto x. Da mesma forma, a intensidade é dada pelo quadrado da amplitude: I2=A22Na verdade, a altura deve ser uma quantidade real, de modo que altura da onda que vem do buraco 1 é, de fato, a parte real de h1(x). O mesmo vale para a onda 2. Mas usamos o já familiar artifício matemático de generalizar as funções de onda para valores complexos, de modo a facilitar as contas, tendo sempre o cuidado de tomar a parte real no final delas. No que que a intensidade é real, como deve ser! Estamos agora prontos para obter a altura da onda resultante h12. Basta somarmos as alturas das duas ondas. h12(x)=h1(x)+h2(x)=A1(x)ei𝜔t+A2(x)ei(𝜔t+𝛿)É mais fácil fazer esta soma graficamente, usando o conceito de fasores. isto é mostrado na figura 1.3. A partir da lei dos cosseno, obtemos a intensidade da onda resultante. I12=A122=A12+A22+2A1A2cos𝛿ou, em termos das intensidades: I12=I1+I2+2I1I2cos𝛿 Figura 1.3: Esquema da soma das duas funções complexas h1 e h2 através de fasores.O último termo é precisamente o termo de interferência. É por causa dele que I12I1+I2.Podemos, então, resumir nosso entendimento sobre o experimento da fenda dupla com ondas de água nos seguintes resultados principais: primeiro, a intensidade pode ter qualquer valor; segundo, há interferência. Vamos recordar os conceitos mais importantes associados à interferência? Diz-se que há interferência construtiva quando a intensidade antinge um valor máximo (picos na curva I12). Isto ocorre quando as ondas provenientes dos dois buracos estão em fase (ou seja, 𝛿=0). Note que a intensidade da onda resultante é maior que a soma das intensidades das duas ondas! Geometricamente, esta condição é obtida quando a diferença entre as distâncias percorridas pelas duas ondas, desde os respectivos buracos até o detector, for um múltiplo inteiro n do comprimento de onda 𝜆: |d1-d2|=n𝜆(interferência construtiva)Já a situação de interferência destrutiva corresponde aos mínimos de intensidade, ocorrendo quando as duas ondas estiverem fora de fase (ou, mais precisamente, com uma diferença de fase de 𝜋). Esta condição é obtida quando a diferença das distâncias percorridas for um múltiplo inteiro par de um meio comprimento de onda: |d1-d2|=(2n+1)𝜆2(interferência destrutiva)ATIVIDADE FINALObtenha geometricamente a equação (1,8) a partir da equação (1.6).Resposta comentadaPaa chegar à resposta, você precisará apenas lembra que ei𝜃=cos𝜃+isin𝜃 e, depois de chegar a uma expressão para h12, obter seu módulo ao quadrado |h12|2. ResumoAnalisamos o experimento de fenda dupla realizado de duas formas distintas: um com projéteis e a outra com ondas. Observamos que projéteis chegam ao detector em pacotes idênticos e não apresentam interferência. Em contraste com este comportamente, as ondas podem ser detectadas com qualquer intensidade e apresentam interferência. Esses comportamentos são característicos das partículas e das ondas clássicas. Será interessante compará-los com o comportamente de partículas quânticas. Bibliografia Mehra, J.; Rechenberg, H. (1982). The historical development of quantum theory (em inglês). [S.l.]: Springer-Verlag Kuhn, T.S. (1978). Black-body theory and the quantum discontinuity 1894-1912 (em inglês). Oxford: Clarendon Press Nota: O "Princípio da Incerteza" de Heisenberg é parte central dessa teoria e daí nasceu a famosa equação de densidade de probalidade de Schrödinger. Sakurai, Jun John (1967). Advanced Quantum Mechanics--Another Issue (em inglês). [S.l.]: Addison-Wesley Publishing Company Sakurai, Jun John; Napolitano, Jim (2013). Modern Quantum Mechanics (em inglês). [S.l.]: Pearson. ISBN 9781292024103 Sakurai, Jun Jon; Napolitano, Jim (2013). Mecânica Quântica Moderna. Porto Alegre: Bookman. 548 páginas. ISBN 9788565837095. Consultado em 14 de dezembro de 2015

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